Arado, O Burrico Encantado
Contos de Fadas Contemporâneos
Elaine Martins Wilke
Janeiro 2013
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Arado, O Burrico Encantado
Capítulo I – Quem nada quer fazer nada tem a
receber
Em
um colégio de classe média, na cidade de São Paulo, a mais rica do Brasil,
estudavam Primidia e Lerminimo. Desde que se conheceram eles se tornaram amigos
e companheiros de traquinagens. A garota era sempre a primeira a abandonar as
lições de casa e o menino sequer ouvia o que o professor falava, porque sempre
estava distraído pensando em uma nova brincadeira.
As
duas crianças eram os piores alunos da escola e seus pais não sabiam mais o que
fazer para educá-los então eles resolveram separá-las na esperança de que de
que assim passariam a se interessar pela escola.
O
tempo passou, as crianças cresceram e os pais de Primidia e Lerminimo
faleceram. A moça ficou triste e sozinha e como não tinha nenhuma formação
acadêmica e nunca tinha trabalhado decidiu viver da herança que os pais haviam
deixado, contudo como não sabia administrar o dinheiro não levou muito tempo
para não ter mais nenhum tostão.
No
início os parentes tentaram ajudar Primida. Uma tia arranjou-lhe um emprego de
babá, mas a criança começou a imitá-la e falar muitas palavras errado, então a
mãe horrorizada com as asneiras que ouviu demitiu a moça.
Primidia
deu de ombros, estava acostumada a viver à custa dos outros, primeiro dos pais,
agora dos parentes e amigos, só que eles cansaram e começaram a se negar a
ajuda-la. Mesmo assim ela não fez nada para mudar de vida e as contas começaram
a acumular. A água, a luz, e o telefone foram cortados e logo começou a faltar dinheiro
para roupa, sapato, remédio e até para comida e como ela também não pagava os
impostos a casa em que morava foi vendida em leilão ela foi parar debaixo do
viaduto.
Primidia
chegou ao viaduto num dia chuvoso e muito frio. Ela tremia e desesperada
começou a chorar encolhida num canto, se perguntado por que não havia obedecido
a seus pais. De repente um mendigo enorme apareceu e a empurrou gritando: _
Saia daí! Esse lugar é meu! _ e foi levantando Primidia que ficou com as pernas
balançando no ar enquanto os outros mendigos se encolhiam de medo. Ela estava
com o rosto bem próximo ao do mendigo e ele a olhou nos olhos, aqueles olhos
não lhe eram estranhos... Ele os conhecia de algum lugar...
-
Qual seu nome? _ rugiu o homem truculento.
_
Primidia. _ ela quase sussurrou a resposta.
_
Primidia! _ O mendigo exclamou soltando abruptamente a moça que esfregava
atônita as constas e o bumbum doloridos pelo impacto da queda.
-
Eu sou Lerminimo, se lembra de mim?
_
Sim! Mas como você veio parar aqui? Seu pai não é dono de um grande
supermercado?
_
Era. Ele morreu e eu assumi os negócios, mas fali. Antes vendi a casa para
tentar salvar a empresa, minha mãe ficou doente por causa do desgosto e foi
levada para casa de parentes, que não me aceitaram e como eu não tinha para
onde ir vim para cá.
Os
dois se abraçaram e choram em silêncio.
_
E você, como veio parar aqui? _ questionou Lerminimo.
_
Minha história não é muito diferente da sua. Ah! Se eu pudesse voltar a ser
criança outra vez... Eu ouviria os meus pais e estudaria assim não estaria
nesta situação e talvez eles ainda pudessem estar comigo se eu não tivesse dado
tanto trabalho.
Capitulo 2 – A chance perdida
Primidia
ainda se lamentava quando de repente um burro que puxava uma carroça de lixo
reciclável se aproximou dos dois mendigos e falou: _ não posso transformar
vocês em crianças outra vez, mas posso mandar vocês para um país onde podem
recomeçar as suas vidas.
Os
dois mendigos ficaram pasmos ao ouvir o burro falar, Lerminimo foi o primeiro a
recuperar do susto e disse: _ Eu quero ir para um lugar onde mesmo que eu não
trabalhe eu tenha água e comida.
O
burro franziu a testa mostrando descontentamento e perguntou para Primidia: _ E
você, o que quer? – ela achou a Ideia de Lerminimo boa, mas queria mais
garantias: _ Quero ter um teto com um lugar bem quentinho para dormir, quero
ter filhos e que eles tenham a chance de escolher o que vão querer ser quando
crescer.
O
burro suspirou desanimado e falou: Vocês poderiam ter pedido para voltar a
estudar e ter um emprego, não era sobre isto que falavam lamentando o passado?
Mas como pedido é pedido, vou atendê-los.
Subitamente
começou uma ventania que empurrou Primida e Lerminimo até a entrada de um
bueiro que os sugou e eles foram arrastados através do esgoto até o rio Tiête e
apareceram boiando nas suas águas fedidas.
Lerminimo
praguejou: _ Aquele burro sem vergonha nos enganou! Que vida nova que nada, a
única coisa que mudou é que estamos mais imundos do que antes e ainda quase
morremos afogados. Foi um milagre termos sobrevivido à queda no esgoto! Sorte
que meu pai me obrigou a aprender a nadar.
Primida
por sua vez se agarrava a Lerminimo desesperadamente e gritava: _ Eu não sei
nadar! Eu não sei nadar! _ então ele a levou até à margem do rio e chegando lá
exaustos encontram o burro rindo muito. Lerminimo partiu para cima dele, mas
quando foi tentar acertar o Burro percebeu que não tinha mais mãos! Os mendigos
se olharam assustados e só então se deram conta de que haviam se transformado
em burros!
_
Você nos enganou! _ zurrou Lerminimo.
_
Não, eu apenas atendi os seus desejos.
_
Como? Olhe para nós! Agora somo burros!
_
Não, agora vocês tem a aparência de simpáticos burros, porque burros vocês
sempre foram e perderam todas as oportunidades que a vida lhes deu de deixarem
de ser. Mas não se preocupem, seus pedidos serão completamente atendidos. Você Lerminimo
terá sempre mato para comer e água para beber, mesmo que não trabalhe. E você
Primidia, terá seu teto e um lugar quentinho para dormir em um celeiro com
palha seca, contudo aos seus filhos será concedida a oportunidade de poder
escolher se serão burros ou humanos.
_
E quanto a nós? Seremos burros para sempre? – quis saber Primidia.
_
Talvez tenham mais sorte do que eu...
_
Se encontrarem uma pessoa que faça um pedido digno vocês terão a poder de
conceder o desejo dela e o encanto de vocês será quebrado, caso contrário,
serão burros para sempre.
_
E meus filhos, nascerão burros ou humanos?
_
Uns nascerão burros e pelos seus esforços poderão se tornar humanos, outros
nascerão humanos e pelos seus erros poderão ser transformar em Burros. Lembrem-se:
Não é a aparência que define se sua vida será boa ou não e sim o modo que você
trata as oportunidades que a vida dá.
Capitulo
3 - Um burro inteligente
Lerminimo
e Primida vagaram por quase um mês pelas margens do rio Tietê quando avistaram
um casal de catadores de papel. Enquanto o homem puxava a carroça a mulher ia
recolhendo garrafas, papel, papelão, plástico, vidros, latinhas, caixas de
leite, etc.
Os
Burros se aproximaram e encostaram-se à carroça como se pedissem: “me deixa
puxar”. A mulher do carroceiro vendo a cena disse ao marido:
-
Eles parecem perdidos, vamos levá-los conosco!
_
Que é isso mulher, eles devem ter dono! Não quero ser chamado de ladrão.
_
Vamos perguntar se eles são de alguém para os outros catadores. Vem marido!
O
casal perguntou para várias pessoas e ninguém conhecia os donos dos burros e
também nunca os tinha visto por aquelas bandas.
_
Parece que não são de ninguém. Vamos levá-los marido e se o dono aparecer
agente devolve.
O
homem concordou meio contrariado, mas aqueles burros pareciam mesmo querer ficar
com eles, pois desde que os encontraram não pararam de segui-los.
Passaram-se
vários anos e os burros trouxeram prosperidade para o casal. Com as duas
carroças puxadas cada uma por um dos burros eles conseguiam recolher muito mais
material reciclado e com a força do trabalho adquiriram um pequeno sítio onde
plantavam verduras que eram vendidas na cidade, mas sentiam falta de uma
criança para alegrar a casa...
Não
demorou muito tempo o casal de carroceiros teve um filho chamado Lucas e os burros
resolveram se casar e também tiveram um filho ao qual foi dado o nome de Arado.
Arado
e Lucas ser tornaram grandes amigos, se alguém queria achar um bastava
encontrar o outro.
_
Pai! Vem ver os truques que ensinei para o Arado!
_
Filho, ele é um burro e não um cachorro, não exija muito dele...
O
burrico zurrou mostrando-se claramente ofendido e se afastou.
O
homem coçou a cabeça intrigado e o garoto disparou atrás do pequeno burro.
_
Volta aqui Arado! Para mim você é o mais inteligente dos meus amigos!
O
Pai sorriu, balançou a cabeça e voltou ao trabalho na horta, enquanto isto o
menino resolveu deixar o amigo um pouco sozinho para ele se acalmar, até porque
ele não iria conseguir alcança-lo mesmo...
Arado
por sua vez estava muito aborrecido. Não consegui entender, se sentia igual ao
Lucas, mas não se parecia com ele... Contudo tinha certeza de que podia aprender
tudo que ele sabia e a partir deste dia o burrico começou a seguir o menino até
a escola. Ficava ali, do lado de fora, embaixo da janela ouvindo as explicações
dos professores e resolvendo as questões no chão de barro e antes do final da
aula apagava tudo, para que ninguém percebesse o que estava fazendo.
Passados
mais alguns anos, os pais de Lucas começaram a achar muito estranho porque o
burrinho já deveria ser um animal adulto, porém parecia estar crescendo na
mesma proporção do menino, mas como tudo com aqueles burros era mesmo diferente,
não deram importância.
Certa
noite Lucas estuda debruçado sobre a escrivaninha de seu pequeno quarto. Fazia
e refazia os exercícios, porém não conseguia chegar aos resultados do gabarito.
Arado observava o amigo pela janela e sentindo sua aflição zurrou. Lucas foi
até a janela e afagou o amigo.
_
Não posso brincar Arado, tenho que aprender a resolver esses exercícios para
vencer o concurso internacional de matemática. Meu pai me prometeu que se eu
vencer você não vai ter que puxar a carroça do seu pai que já anda doente,
porque vamos comprar um caminhãzinho com o dinheiro do prêmio. _ após estas
palavras Lucas voltou a sentar-se para estudar.
Arado
ficou emocionado com as palavras do amigo que já se tornará um rapazinho e teve
uma ideia: Zurro novamente, e de novo, e mais uma vez, e outra, até que Lucas
apareceu outra vez na janela mostrando um pouco irritado: _ Arado, você não
entende que preciso estudar? Ah, já é
pedir muito né! _ neste momento soprou um vento forte que fez as folhas dos
exercícios voarem janela a fora.
O
rapaz se desesperou, pulou a janela e saiu correndo para pegar as folhas que
eram levadas pelo vento e qual não foi sua surpresa ao encontrar Arado
debruçado sobre os exercícios e ficou ainda mais boquiaberto quando viu que o
exercício mais difícil estava resolvido no chão de barro. Ele se ajoelhou ao
lado do burrico e o animal fez um risco sob a parte do exercício que o rapaz
estava errando.
_
Você vai me ensinar álgebra? – exclamou perplexo e o burrico assentiu com a
cabeça.
_
Nossa! Será que eu sou mais burro que um burro? Desculpe amigo, sem ofensas,
mas isso é mais que estranho, é constrangedor!
O
burrinho se aproximou e esfregou o focinho no rosto do rapaz que o afagou e a
partir daí eles passaram várias noites estudando juntos, até que finalmente
chegou o dia da competição e Lucas foi o vitorioso. Ele chegou em casa, abraçou
os pais e foi correndo contar a boa noticia ao amigo.
_
Arado, estou muito feliz! Você não vai precisar puxar a carroça de seu pai! Por
outro lado estou triste – soluçou o rapaz. _Vou para a cidade prestar
vestibular e se eu entrar na faculdade não vou poder levar você comigo.
Arado
também ficou muito triste porque perderia o único amigo para o qual podia
mostrar o lado humano que sabia ter, mas não entendia o por quê.
Capítulo 4 – Nunca é tarde para recomeçar
Quando
Arado retornou ao celeiro sua mãe notou que havia algo de errado com o filhote
e logo quis saber o que era: _ O que aconteceu Arado? Nunca vi você tão triste assim...
O burrinho
contou o que havia acontecido e a mãe tentou animá-lo:
_ Você não deveria estará feliz por não ter
que puxar a pesada carroça do seu pai?
_ Mamãe eu
queria tirar você e o papai desta vida. Queria também poder ir com o Lucas para
a cidade prestar vestibular...
_ Nos temos
o que merecemos, colhemos o que plantamos Arado. Agora sabemos disso. Quanto a
você querido poderá ser e ter o que quiser.
- Como mamãe
vocês podem merecer trabalhar tanto e porque eu me sinto tão humano quanto o
Lucas quando não passo de um burrico?
_ Não se
menospreze Arado, acho que chegou a hora de você saber o segredo de nossa
família. _ a mãe passou a contar como ela e o marido haviam desperdiçado todas
as chances que a vida lhes havia dado e acabaram virando burros. Arado escutava
tudo atentamente com os olhos arregalados.
_ Assim, há
um jeito de você se transformar em humano. Tem que conceder um desejo a alguém
e se essa pessoa fizer um pedido digno você se tornará humano.
_ Bem, se
entendi direito, se o desejo não for digno a pessoa vai se transformar em um
burro também? _ a mãe concordou.
_ Não muito
obrigado, a nossa maldição basta!
O burrico
saiu correndo pelo sitio até perder as forças, cansado deitou-se sob uma árvore
e chorou. Lucas havia procurado Arado o dia todo e finalmente encontrou o bicho
todo amuado.
_ Ah! Então você esta ai! Já estava cansado de
te procurar para todo lado! Também estou triste por ter que te deixar amigo,
mas se eu passar no vestibular venho ver você nas férias, prometo!
O burrico
abriu a boca para zurrar, queria desejar boa sorte ao amigo: _ Eu desejo que
você passe no vestibular e seja muito feliz lá na cidade.
_ Arado!
Você falou?! – disse Lucas atônito.
_ A
maldição! Deve ser a maldição!
_ Que
maldição que nada Arado, isto é um milagre!
_ Não diga
nada amigo, você não deve falar com um Burro Encantado. ADEUS!
_ Arado,
volte aqui! Volte!
_ Ah! Se eu
pudesse transformaria você e seus pais em gente só para poder te ver feliz... _
Lucas murmurou quase para si mesmo.
_ Este é o
seu desejo meu rapaz? Não quer trocar por nada só para você? – perguntou um
burro velho
_ Outro
burro que fala? Mas de onde você veio?! Acho que estou perdendo o juízo. Devo
estar mesmo pirando...
_ Eu perguntei primeiro. Você responde a minha
pergunta e eu respondo a sua.
_ Nada me
faria mais feliz do que ter meu desejo realizado. Ver Arado e a família dele
virar gente e poder ir com ele para a Faculdade.
_ Até que
enfim um desejo digno! Estou livre! Que seu desejo se realize.
Puft! _ o burro velho sumiu.
_ Que noite
maluca! Vou para casa dormir, estou começando a achar que tinha algo errado com
a água que bebi hoje.
Assim que
deu o terceiro passo em direção a sua casa Lucas escorregou em uma flores
soltas na campina e desmaiou, quando acordou estava na margem direita do rio
Tietê.
- Acho que
ainda estou sonhando, e melhor fechar os olhos novamente _ fechou, abriu,
fechou, abriu, fechou, abriu; até que finalmente desistiu. Olhou para o lado e
viu um rapaz dormindo e o chamou: _ Acorde, acorde, vamos congelar aqui!
O rapaz abriu os olhos e Lucas perguntou se
ele sabia onde estavam. O dorminhoco olhou para ele com cara de espanto e
disse:
_ Claro que
não Lucas, nunca estivemos aqui!
Lucas quase
caiu para traz. Aquela voz, aqueles olhos; Arado, é você? Olhe para você!
Arado se
olhou, viu mãos, pés, dedos. Passou a mão na cabeça e percebeu que as orelhas
haviam diminuído muiiiiito. Correu para o rio e mesmo as águas estando turvas
pode ver que ele havia se transformado em um rapaz!
_ Arado!
Lucas! Venham! _ Era Lerminimo e Primidia que também haviam sido transformados
em gente de novo.
_ Mamãe!
Papai ! _ exclamou Arado. Os rapazes correm em direção a eles e todos se
abraçaram.
_ Vamos, há
muito tempo a recuperar. _ disse um senhor de uns 60 anos.
_ Mas quem
é você? _ disseram todos em coro.
_ Eu sou o
Burro Encantado que vocês conheceram há alguns anos. Agora voltei a ser livre e
posso usar minha magia e optar pela forma que eu quiser a qualquer momento.
Quanto a vocês, estão tendo uma nova chance, não desperdicem. _ depois de dizer
isto o mago desapareceu.
Lerminimo e
Primidia apareceram na casa dos pais de Lucas e eles lhes deram emprego e eles
voltaram a estudar, com o tempo os quatro abriram uma pequena empresa de
reciclagem e puderam viver com certo conforto.
Lucas e
Arado ficaram na cidade, passaram no vestibular e depois de se formarem em
medicina se inscreveram na Cruz Vermelha, onde passaram a ajudar muitas pessoas
e a viver as mais loucas e emocionantes aventuras algumas delas ao lado do
Burro Encantado, que está sempre disposto a dar uma boa lição a um preguiçoso
de plantão,
FIM