quarta-feira, 24 de abril de 2013


 Arado, O Burrico Encantado

Contos de Fadas Contemporâneos


 

Elaine Martins Wilke

Janeiro 2013


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 Arado, O Burrico Encantado

Capítulo I – Quem nada quer fazer nada tem a receber


 

        Em um colégio de classe média, na cidade de São Paulo, a mais rica do Brasil, estudavam Primidia e Lerminimo. Desde que se conheceram eles se tornaram amigos e companheiros de traquinagens. A garota era sempre a primeira a abandonar as lições de casa e o menino sequer ouvia o que o professor falava, porque sempre estava distraído pensando em uma nova brincadeira.

        As duas crianças eram os piores alunos da escola e seus pais não sabiam mais o que fazer para educá-los então eles resolveram separá-las na esperança de que de que assim passariam a se interessar pela escola.

        O tempo passou, as crianças cresceram e os pais de Primidia e Lerminimo faleceram. A moça ficou triste e sozinha e como não tinha nenhuma formação acadêmica e nunca tinha trabalhado decidiu viver da herança que os pais haviam deixado, contudo como não sabia administrar o dinheiro não levou muito tempo para não ter mais nenhum tostão.

        No início os parentes tentaram ajudar Primida. Uma tia arranjou-lhe um emprego de babá, mas a criança começou a imitá-la e falar muitas palavras errado, então a mãe horrorizada com as asneiras que ouviu demitiu a moça.

        Primidia deu de ombros, estava acostumada a viver à custa dos outros, primeiro dos pais, agora dos parentes e amigos, só que eles cansaram e começaram a se negar a ajuda-la. Mesmo assim ela não fez nada para mudar de vida e as contas começaram a acumular. A água, a luz, e o telefone foram cortados e logo começou a faltar dinheiro para roupa, sapato, remédio e até para comida e como ela também não pagava os impostos a casa em que morava foi vendida em leilão ela foi parar debaixo do viaduto.

        Primidia chegou ao viaduto num dia chuvoso e muito frio. Ela tremia e desesperada começou a chorar encolhida num canto, se perguntado por que não havia obedecido a seus pais. De repente um mendigo enorme apareceu e a empurrou gritando: _ Saia daí! Esse lugar é meu! _ e foi levantando Primidia que ficou com as pernas balançando no ar enquanto os outros mendigos se encolhiam de medo. Ela estava com o rosto bem próximo ao do mendigo e ele a olhou nos olhos, aqueles olhos não lhe eram estranhos... Ele os conhecia de algum lugar...

        - Qual seu nome? _ rugiu o homem truculento.

        _ Primidia. _ ela quase sussurrou a resposta.

        _ Primidia! _ O mendigo exclamou soltando abruptamente a moça que esfregava atônita as constas e o bumbum doloridos pelo impacto da queda.

        - Eu sou Lerminimo, se lembra de mim?

        _ Sim! Mas como você veio parar aqui? Seu pai não é dono de um grande supermercado?

        _ Era. Ele morreu e eu assumi os negócios, mas fali. Antes vendi a casa para tentar salvar a empresa, minha mãe ficou doente por causa do desgosto e foi levada para casa de parentes, que não me aceitaram e como eu não tinha para onde ir vim para cá.

        Os dois se abraçaram e choram em silêncio.

        _ E você, como veio parar aqui? _ questionou Lerminimo.

        _ Minha história não é muito diferente da sua. Ah! Se eu pudesse voltar a ser criança outra vez... Eu ouviria os meus pais e estudaria assim não estaria nesta situação e talvez eles ainda pudessem estar comigo se eu não tivesse dado tanto trabalho.

 

Capitulo 2 – A chance perdida

 

        Primidia ainda se lamentava quando de repente um burro que puxava uma carroça de lixo reciclável se aproximou dos dois mendigos e falou: _ não posso transformar vocês em crianças outra vez, mas posso mandar vocês para um país onde podem recomeçar as suas vidas.

        Os dois mendigos ficaram pasmos ao ouvir o burro falar, Lerminimo foi o primeiro a recuperar do susto e disse: _ Eu quero ir para um lugar onde mesmo que eu não trabalhe eu tenha água e comida.

        O burro franziu a testa mostrando descontentamento e perguntou para Primidia: _ E você, o que quer? – ela achou a Ideia de Lerminimo boa, mas queria mais garantias: _ Quero ter um teto com um lugar bem quentinho para dormir, quero ter filhos e que eles tenham a chance de escolher o que vão querer ser quando crescer.

        O burro suspirou desanimado e falou: Vocês poderiam ter pedido para voltar a estudar e ter um emprego, não era sobre isto que falavam lamentando o passado? Mas como pedido é pedido, vou atendê-los.

        Subitamente começou uma ventania que empurrou Primida e Lerminimo até a entrada de um bueiro que os sugou e eles foram arrastados através do esgoto até o rio Tiête e apareceram boiando nas suas águas fedidas.

        Lerminimo praguejou: _ Aquele burro sem vergonha nos enganou! Que vida nova que nada, a única coisa que mudou é que estamos mais imundos do que antes e ainda quase morremos afogados. Foi um milagre termos sobrevivido à queda no esgoto! Sorte que meu pai me obrigou a aprender a nadar.

        Primida por sua vez se agarrava a Lerminimo desesperadamente e gritava: _ Eu não sei nadar! Eu não sei nadar! _ então ele a levou até à margem do rio e chegando lá exaustos encontram o burro rindo muito. Lerminimo partiu para cima dele, mas quando foi tentar acertar o Burro percebeu que não tinha mais mãos! Os mendigos se olharam assustados e só então se deram conta de que haviam se transformado em burros!

        _ Você nos enganou! _ zurrou Lerminimo.

        _ Não, eu apenas atendi os seus desejos.

        _ Como? Olhe para nós! Agora somo burros!

        _ Não, agora vocês tem a aparência de simpáticos burros, porque burros vocês sempre foram e perderam todas as oportunidades que a vida lhes deu de deixarem de ser. Mas não se preocupem, seus pedidos serão completamente atendidos. Você Lerminimo terá sempre mato para comer e água para beber, mesmo que não trabalhe. E você Primidia, terá seu teto e um lugar quentinho para dormir em um celeiro com palha seca, contudo aos seus filhos será concedida a oportunidade de poder escolher se serão burros ou humanos.  

        _ E quanto a nós? Seremos burros para sempre? – quis saber Primidia.

        _ Talvez tenham mais sorte do que eu...

        _ Se encontrarem uma pessoa que faça um pedido digno vocês terão a poder de conceder o desejo dela e o encanto de vocês será quebrado, caso contrário, serão burros para sempre.

        _ E meus filhos, nascerão burros ou humanos?

        _ Uns nascerão burros e pelos seus esforços poderão se tornar humanos, outros nascerão humanos e pelos seus erros poderão ser transformar em Burros. Lembrem-se: Não é a aparência que define se sua vida será boa ou não e sim o modo que você trata as oportunidades que a vida dá.

 

                        Capitulo 3 -  Um burro inteligente

 

        Lerminimo e Primida vagaram por quase um mês pelas margens do rio Tietê quando avistaram um casal de catadores de papel. Enquanto o homem puxava a carroça a mulher ia recolhendo garrafas, papel, papelão, plástico, vidros, latinhas, caixas de leite, etc.

        Os Burros se aproximaram e encostaram-se à carroça como se pedissem: “me deixa puxar”. A mulher do carroceiro vendo a cena disse ao marido:

        - Eles parecem perdidos, vamos levá-los conosco!

        _ Que é isso mulher, eles devem ter dono! Não quero ser chamado de ladrão.

        _ Vamos perguntar se eles são de alguém para os outros catadores. Vem marido!

        O casal perguntou para várias pessoas e ninguém conhecia os donos dos burros e também nunca os tinha visto por aquelas bandas.

        _ Parece que não são de ninguém. Vamos levá-los marido e se o dono aparecer agente devolve.

        O homem concordou meio contrariado, mas aqueles burros pareciam mesmo querer ficar com eles, pois desde que os encontraram não pararam de segui-los.

        Passaram-se vários anos e os burros trouxeram prosperidade para o casal. Com as duas carroças puxadas cada uma por um dos burros eles conseguiam recolher muito mais material reciclado e com a força do trabalho adquiriram um pequeno sítio onde plantavam verduras que eram vendidas na cidade, mas sentiam falta de uma criança para alegrar a casa...

        Não demorou muito tempo o casal de carroceiros teve um filho chamado Lucas e os burros resolveram se casar e também tiveram um filho ao qual foi dado o nome de Arado.

        Arado e Lucas ser tornaram grandes amigos, se alguém queria achar um bastava encontrar o outro.

        _ Pai! Vem ver os truques que ensinei para o Arado!

        _ Filho, ele é um burro e não um cachorro, não exija muito dele...

        O burrico zurrou mostrando-se claramente ofendido e se afastou.

        O homem coçou a cabeça intrigado e o garoto disparou atrás do pequeno burro.

        _ Volta aqui Arado! Para mim você é o mais inteligente dos meus amigos!

        ­O Pai sorriu, balançou a cabeça e voltou ao trabalho na horta, enquanto isto o menino resolveu deixar o amigo um pouco sozinho para ele se acalmar, até porque ele não iria conseguir alcança-lo mesmo...

        Arado por sua vez estava muito aborrecido. Não consegui entender, se sentia igual ao Lucas, mas não se parecia com ele... Contudo tinha certeza de que podia aprender tudo que ele sabia e a partir deste dia o burrico começou a seguir o menino até a escola. Ficava ali, do lado de fora, embaixo da janela ouvindo as explicações dos professores e resolvendo as questões no chão de barro e antes do final da aula apagava tudo, para que ninguém percebesse o que estava fazendo.

        Passados mais alguns anos, os pais de Lucas começaram a achar muito estranho porque o burrinho já deveria ser um animal adulto, porém parecia estar crescendo na mesma proporção do menino, mas como tudo com aqueles burros era mesmo diferente, não deram importância.

        Certa noite Lucas estuda debruçado sobre a escrivaninha de seu pequeno quarto. Fazia e refazia os exercícios, porém não conseguia chegar aos resultados do gabarito. Arado observava o amigo pela janela e sentindo sua aflição zurrou. Lucas foi até a janela e afagou o amigo.

        _ Não posso brincar Arado, tenho que aprender a resolver esses exercícios para vencer o concurso internacional de matemática. Meu pai me prometeu que se eu vencer você não vai ter que puxar a carroça do seu pai que já anda doente, porque vamos comprar um caminhãzinho com o dinheiro do prêmio. _ após estas palavras Lucas voltou a sentar-se para estudar.

        Arado ficou emocionado com as palavras do amigo que já se tornará um rapazinho e teve uma ideia: Zurro novamente, e de novo, e mais uma vez, e outra, até que Lucas apareceu outra vez na janela mostrando um pouco irritado: _ Arado, você não entende que preciso estudar?  Ah, já é pedir muito né! _ neste momento soprou um vento forte que fez as folhas dos exercícios voarem janela a fora.

        O rapaz se desesperou, pulou a janela e saiu correndo para pegar as folhas que eram levadas pelo vento e qual não foi sua surpresa ao encontrar Arado debruçado sobre os exercícios e ficou ainda mais boquiaberto quando viu que o exercício mais difícil estava resolvido no chão de barro. Ele se ajoelhou ao lado do burrico e o animal fez um risco sob a parte do exercício que o rapaz estava errando.

        _ Você vai me ensinar álgebra? – exclamou perplexo e o burrico assentiu com a cabeça.

        _ Nossa! Será que eu sou mais burro que um burro? Desculpe amigo, sem ofensas, mas isso é mais que estranho, é constrangedor!

        O burrinho se aproximou e esfregou o focinho no rosto do rapaz que o afagou e a partir daí eles passaram várias noites estudando juntos, até que finalmente chegou o dia da competição e Lucas foi o vitorioso. Ele chegou em casa, abraçou os pais e foi correndo contar a boa noticia ao amigo.

        _ Arado, estou muito feliz! Você não vai precisar puxar a carroça de seu pai! Por outro lado estou triste – soluçou o rapaz. _Vou para a cidade prestar vestibular e se eu entrar na faculdade não vou poder levar você comigo.

        Arado também ficou muito triste porque perderia o único amigo para o qual podia mostrar o lado humano que sabia ter, mas não entendia o por quê.

 

Capítulo 4 – Nunca é tarde para recomeçar

Quando Arado retornou ao celeiro sua mãe notou que havia algo de errado com o filhote e logo quis saber o que era: _ O que aconteceu Arado?  Nunca vi você tão triste assim...

O burrinho contou o que havia acontecido e a mãe tentou animá-lo:

 _ Você não deveria estará feliz por não ter que puxar a pesada carroça do seu pai?  

_ Mamãe eu queria tirar você e o papai desta vida. Queria também poder ir com o Lucas para a cidade prestar vestibular...

_ Nos temos o que merecemos, colhemos o que plantamos Arado. Agora sabemos disso. Quanto a você querido poderá ser e ter o que quiser.

- Como mamãe vocês podem merecer trabalhar tanto e porque eu me sinto tão humano quanto o Lucas quando não passo de um burrico?

_ Não se menospreze Arado, acho que chegou a hora de você saber o segredo de nossa família. _ a mãe passou a contar como ela e o marido haviam desperdiçado todas as chances que a vida lhes havia dado e acabaram virando burros. Arado escutava tudo atentamente com os olhos arregalados.

_ Assim, há um jeito de você se transformar em humano. Tem que conceder um desejo a alguém e se essa pessoa fizer um pedido digno você se tornará humano.

_ Bem, se entendi direito, se o desejo não for digno a pessoa vai se transformar em um burro também? _ a mãe concordou.

_ Não muito obrigado, a nossa maldição basta!

O burrico saiu correndo pelo sitio até perder as forças, cansado deitou-se sob uma árvore e chorou. Lucas havia procurado Arado o dia todo e finalmente encontrou o bicho todo amuado. 

 _ Ah! Então você esta ai! Já estava cansado de te procurar para todo lado! Também estou triste por ter que te deixar amigo, mas se eu passar no vestibular venho ver você nas férias, prometo!

O burrico abriu a boca para zurrar, queria desejar boa sorte ao amigo: _ Eu desejo que você passe no vestibular e seja muito feliz lá na cidade.

_ Arado! Você falou?! – disse Lucas atônito.

_ A maldição! Deve ser a maldição!

_ Que maldição que nada Arado, isto é um milagre!

_ Não diga nada amigo, você não deve falar com um Burro Encantado. ADEUS!

_ Arado, volte aqui! Volte!

_ Ah! Se eu pudesse transformaria você e seus pais em gente só para poder te ver feliz... _ Lucas murmurou quase para si mesmo.

_ Este é o seu desejo meu rapaz? Não quer trocar por nada só para você? – perguntou um burro velho

_ Outro burro que fala? Mas de onde você veio?! Acho que estou perdendo o juízo. Devo estar mesmo pirando...

 _ Eu perguntei primeiro. Você responde a minha pergunta e eu respondo a sua.

_ Nada me faria mais feliz do que ter meu desejo realizado. Ver Arado e a família dele virar gente e poder ir com ele para a Faculdade.

_ Até que enfim um desejo digno! Estou livre! Que seu desejo se realize.

   Puft! _ o burro velho sumiu.

_ Que noite maluca! Vou para casa dormir, estou começando a achar que tinha algo errado com a água que bebi hoje.

Assim que deu o terceiro passo em direção a sua casa Lucas escorregou em uma flores soltas na campina e desmaiou, quando acordou estava na margem direita do rio Tietê.

- Acho que ainda estou sonhando, e melhor fechar os olhos novamente _ fechou, abriu, fechou, abriu, fechou, abriu; até que finalmente desistiu. Olhou para o lado e viu um rapaz dormindo e o chamou: _ Acorde, acorde, vamos congelar aqui!

 O rapaz abriu os olhos e Lucas perguntou se ele sabia onde estavam. O dorminhoco olhou para ele com cara de espanto e disse:

_ Claro que não Lucas, nunca estivemos aqui!

Lucas quase caiu para traz. Aquela voz, aqueles olhos; Arado, é você?  Olhe para você!

Arado se olhou, viu mãos, pés, dedos. Passou a mão na cabeça e percebeu que as orelhas haviam diminuído muiiiiito. Correu para o rio e mesmo as águas estando turvas pode ver que ele havia se transformado em um rapaz!

_ Arado! Lucas! Venham! _ Era Lerminimo e Primidia que também haviam sido transformados em gente de novo.

_ Mamãe! Papai ! _ exclamou Arado. Os rapazes correm em direção a eles e todos se abraçaram.

_ Vamos, há muito tempo a recuperar. _ disse um senhor de uns 60 anos.

_ Mas quem é você? _ disseram todos em coro.

_ Eu sou o Burro Encantado que vocês conheceram há alguns anos. Agora voltei a ser livre e posso usar minha magia e optar pela forma que eu quiser a qualquer momento. Quanto a vocês, estão tendo uma nova chance, não desperdicem. _ depois de dizer isto o mago desapareceu.

Lerminimo e Primidia apareceram na casa dos pais de Lucas e eles lhes deram emprego e eles voltaram a estudar, com o tempo os quatro abriram uma pequena empresa de reciclagem e puderam viver com certo conforto.

Lucas e Arado ficaram na cidade, passaram no vestibular e depois de se formarem em medicina se inscreveram na Cruz Vermelha, onde passaram a ajudar muitas pessoas e a viver as mais loucas e emocionantes aventuras algumas delas ao lado do Burro Encantado, que está sempre disposto a dar uma boa lição a um preguiçoso de plantão,

 
FIM